São Paulo / SP - domingo, 05 de maio de 2024

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A ocorrência de uma lesão cutânea desencadeia uma cascata organizada e complexa de eventos celulares e bioquímicos, que resultam em uma ferida cicatrizada. A cicatrização pode ser dividida em três fases distintas, porém superpostas, hemostasia e inflamação, proliferação, maturação e remodelagem. Qualquer falha no processo cicatricial pode resultar em ausência de fechamento da ferida, retardo da cicatrização ou no desenvolvimento de cicatrizes patológicas, como quelóides e cicatrizes hipertróficas.

Com a perda da integridade tecidual ocorre a ruptura de vasos e a conseqüente exposição do colágeno subendotelial as plaquetas. Estas, por sua vez, se agregam formando um coágulo, promovendo a hemostasia e liberando grânulos ricos em fibronectina plasmática, serotonina e fator de crescimento derivado das plaquetas (PDGF). A fibronectina aumenta a adesão dos fibroblastos ao tecido em cicatrização, a serotonina aumenta a permeabilidade capilar e o PDGF estimula a proliferação dos fibroblastos e a produção do tecido conjuntivo. A inflamação é essencial ao processo cicatricial, sendo caracterizada por aumento da permeabilidade vascular, quimiotaxia das células da circulação para o interior da ferida e liberação local de citocinas e de fatores de crescimento.

Os neutrófilos são as primeiras células a migrarem para a ferida, sendo responsáveis pela remoção de corpos estranhos e do tecido desvitalizado. Sua ação máxima ocorre em torno do segundo dia da cicatrização. A liberação inicial e transitória de fatores provenientes das plaquetas é um primeiro estímulo poderoso na ativação dos macrófagos, células estas, primordiais na cicatrização por promover a fagocitose, a angiogênese e a coordenação da migração e ação dos fibroblastos. Os macrófagos atingem sua maior concentração na ferida em torno do terceiro dia da cicatrização. Os linfócitos, o último tipo celular a migrar para a ferida, liberam interleucinas (IL-I) e .- interferon, substâncias importantes na resposta imune e na proliferação dos fibroblastos. A ação máxima dos linfócitos ocorre em torno do sexto dia de cicatrização. A invasão celular acarreta a lise do coágulo e as células começam a sintetizar fibronectina celular. A fibronectina e os produtos de seu fracionamento apresentam propriedades quimiotaxicas e adesivas, estimulando a proliferação da matriz extracelular. A fase inflamatória estende-se da ocorrência da lesão ao sexto dia de cicatrização.

A segunda fase da cicatrização, conhecida como proliferação, caracteriza-se pela presença dos fibroblastos, que migram para o interior da ferida a partir do tecido circundante, sendo responsáveis pela produção do colágeno, proteína de grande importância na matriz extracelular. WITTE et al., em 1997, descreveu que os fibroblastos que derivam da ferida passam por alterações fenotípicas, influenciados principalmente pelas citocinas derivadas dos macrófagos, caracterizando-se por maior síntese de colágeno e contração, porém com menor proliferação, em comparação com os fibroblastos dérmicos normais. Além dos fibroblastos, é possível encontrar na fase proliferativa as células endoteliais, responsáveis pela angiogênese, e os miofibroblastos, responsáveis pela aproximação das bordas da ferida (contração). Os miofibroblastos originam-se a partir dos fibroblastos, células musculares lisas, pericitos e de algumas células estromais, após estas células terem passado por alterações fenotípicas induzidas por fatores do meio ambiente da ferida. Entre o 8º e 15º dias de cicatrização, os miofibroblastos apresentam-se em número elevado, quando então, progressivamente regridem, praticamente desaparecendo em torno do 30º dia. O mecanismo responsável por essa redução no número de células é a apoptose. Os três elementos essenciais que definem os miofibroblastos são: a presença de fibras de estresse (a-actina), sítios de ligação estroma-célula bem desenvolvidos (fibronexus) e junções gap e intercelulares bem definidas.

As células epiteliais começam a proliferar poucos dias após a ocorrência da lesão, a partir das bordas da ferida ou de ilhas epiteliais (não-lesadas) dentro da ferida, estimuladas pelas citocinas e fatores de crescimento liberados, principalmente, pelos macrófagos. A proliferação das células epiteliais recebe influência direta da concentração de íons inorgânicos no tecido em cicatrização, a presença de níveis elevados de cálcio inibe a quimiotaxia e a adesão do queratinócitos a ferida. A fase fibroproliferativa inicia-se em torno do segundo ou terceiro dia após o trauma, estendendo-se até o 14º dia da cicatrização.

A fase de maturação e remodelagem, terceira fase da cicatrização, caracteriza-se pela deposição de colágeno na ferida. Com a rápida eliminação da maior parte de fibronectina, por ação de proteinases, e com o acúmulo gradual de feixes de colágeno tipo I, que aumentam a força tensora da cicatriz, esta fase destaca-se por sua grande importância clínica. A resistência da cicatriz aumenta progressivamente, após uma semana representa cerca de 3% da resistência da pele intacta, após 3 semanas 20% e após 3 meses 80%, não apresentando nenhum aumento adicional daí em diante. A composição e estrutura da matriz extracelular mudam constantemente desde o início de sua formação. A matriz extracelular deposita-se primeiramente nas margens da ferida, sobre o tecido de granulação, a deposição na região central dá-se tempo depois do que ocorre na periferia. Desta maneira, a composição e estrutura da matriz extracelular do tecido de granulação dependem do tempo decorrente desde a agressão e da distância entre as margens da ferida. A terceira fase da cicatrização inicia-se em torno do 8º dia após o trauma, estendendo-se até 1,5 anos.

 



A Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula que 5 milhões de pessoas morrem anualmente de doenças relacionadas ao cigarro, sendo só no Brasil, 80 mil mortes anuais. Os 56 milhões de fumantes brasileiros têm 20 vezes mais chance de desenvolver câncer de pulmão do que uma pessoa que não fuma. O cigarro ainda é responsável por 97% das mortes por câncer de laringe, 25% por doença do coração, 85% por bronquite e enfisema pulmonar e 25% por derrame. Além disso, são sete vezes maiores as probabilidades de se ter úlcera e câncer de estômago, deixando ainda, o paciente mais suscetível a infecções, problemas de cicatrização, necroses e intercorrências referentes à anestesia, trombose e embolias. A grande vilã da história é a nicotina, um líquido tóxico existente nas folhas do tabaco e que já era utilizado em 1690, na França, como inseticida.

Em um mundo voltado para a beleza como o nosso, a primeira vítima do tabagismo é a aparência do fumante. Além de causar a dependência, a substância tem efeito vasoconstritor na microcirculação sanguínea, ou seja, reduz o diâmetro dos pequenos vasos, dificultando o aporte de oxigênio e de nutrientes que as células recebem por meio do sangue. Como consequência, a pele perde o viço e começa a envelhecer precocemente. O cigarro aumenta a adesividade plaquetária e, consequentemente, o risco de oclusão vascular e de isquemia tecidual, além de reduzir a proliferação das células vermelhas do sangue e dos macrófagos, tão importantes no combate a infecção. Resultados de um estudo realizado pela Universidade de Ouio, na Finlândia, demonstraram que, devido à nicotina, os fibroblastos da pele de pacientes fumantes produzem menos colágeno e fibras elásticas, apresentando assim, estes, maior flacidez e rugas precoces no rosto. A mulher sofre mais com as conseqüências do tabagismo do que os homens, pelo fato da pele tender a produzir menor quantidade de fibras elásticas e colágenas.

A vasoconstrição, causada pela nicotina, compromete o processo de cicatrização após as cirurgias. Pacientes fumantes tem muito mais chances de enfrentar adversidades após a realização da cirurgia plástica do que pacientes não fumantes. Durante uma cirurgia, que envolve o descolamento do tecido cutâneo, há uma natural diminuição da vascularização. A associação cigarro / cirurgia potencializa os efeitos negativos sobre a pele, aumentando as chances de complicações. Por essa razão, muitos cirurgiões plásticos americanos, membros da “American Society for Aesthetic Plastic Surgery”, estão deixando de operar pacientes que fumem mais de um maço de cigarros por dia. Além do risco de necrose, há possibilidade de abertura da sutura e de a pele voltar a enrugar em razão da menor sustentação dos tecidos. A inalação passiva da fumaça do cigarro já é fator suficiente para prejudicar as células formadoras de colágeno, os fibroblastos, fundamentais para a cicatrização. Em cirurgias de face, os pacientes tabagistas apresentam ricos de necrose de pele 13 vezes maior. Nas mamoplastias redutoras as tabagistas apresentam o dobro de complicações, como o sofrimento na transição das cicatrizes vertical e horizontal “T” e uma maior taxa de infecção. As reconstruções de mama em pacientes tabagistas, através da utilização de retalho miocutâneo transverso do abdome (TRAM), estão associadas a elevado índice de necrose, quando comparado a pacientes não fumantes (19% vs 9%, P=0.005).

Para quem é fumante e deseja se submeter a uma cirurgia plástica, o ideal é programar a cirurgia com antecedência e suspender o fumo pelo menos um mês antes do procedimento. Além de aumentar as possibilidades de a cirurgia ser bem sucedida, o próprio paciente vai se beneficiar com o período forçado de abstinência.

 



Não é de hoje que somos sistematicamente submetidos a um forte apelo pela valorização da estética. Vivemos continuamente sob um processo de globalização da beleza e de padronização das formas, processo este que traz consigo significados inconscientes como “sucesso”, “felicidade” e “poder.

A característica central do Transtorno Dismórfico Corporal (TDC) é a preocupação de uma pessoa de aspecto físico normal, com um defeito imaginário em sua aparência física ou a preocupação excessiva com a aparência de um indivíduo com pequena imperfeição física.

O Transtorno Dismórfico Corporal é um transtorno mental que se caracteriza por afetar a percepção que o paciente tem de sua própria imagem corporal, levandoo a ter preocupações irracionais sobre os defeitos que ele acredita ter em alguma parte de seu corpo (por exemplo: nariz torto, olhos desalinhados, imperfeições na pele e tantos outros). Essa percepção distorcida pode levar a importantes prejuízos no funcionamento pessoal, familiar, social e profissional, causando sofrimento, vergonha, baixa auto-estima e, em casos mais graves, isolamento social e total incapacidade funcional.

O foco dos pacientes com Transtorno Dismórfico Corporal pode incluir qualquer área do corpo ou até mesmo o corpo inteiro. As principais queixas incluem defeitos faciais, como o tamanho ou formato do nariz, dos olhos, perda de cabelo, acne, rugas, cicatrizes, marcas vasculares, palidez ou rubor, inchaço, pêlos excessivos. Há também uma parcela de pacientes com alterações senso-perceptivo, como por exemplo, preocupação com o cheiro que exalam, mau hálito, odor dos pés ou genitais e outros. Embora a maioria das queixas seja bem específicas, alguns podem se queixar vagamente de “feiúra”.

Em um estudo com candidatos à cirurgia plástica cosmética, o TDC foi observado em 9,1% dos pacientes.

O TDC é diagnosticado com freqüência aproximadamente igual em homens e mulheres, com início da sintomatologia, em geral, no final da adolescência ou início da idade adulta, de forma gradual ou súbita, e seu curso é flutuante e crônico.

O perfil destes pacientes denota algumas características marcantes: pessoas extremamente perfeccionistas, tristes, ansiosos, com baixa auto-estima, muito preocupados com a opinião dos outros, com dificuldades nos relacionamentos interpessoais, introvertidos, e com dificuldades de adaptar-se à realidade exterior.

Existem alguns comportamentos que podem sugerir que a pessoa tenha TDC, como:
- Procurar reasseguramento constante das pessoas a respeito da aparência;
- Observar repetidas vezes a própria imagem no espelho, ou, ao contrário, evitar espelhos ou qualquer superfície que possa refletir sua imagem;
- Perder muito tempo escolhendo roupas, correndo o risco de se atrasar para compromissos ou evitar as situações se avaliação a respeito da própria aparência não for favorável;
- Evitar tirar fotos por se achar “horrível”;
- Sentir-se deprimido (a) ou ansioso (a) por causa da aparência;
- Sentir que não vale a pena viver por causa do problema;
- Evitar sair de dia, preferindo sair à noite e em lugares com pouca iluminação para encobrir o “defeito”;
- Buscar insistentemente tratamentos estéticos (cirúrgicos ou não), apesar de as pessoas dizerem não ser necessário;
- Nunca ficar satisfeita(o) com os resultados obtidos após um procedimento executado;
- Estar atento a qualquer propaganda que prometa melhoras na aparência, para acne, manchas de pele, pêlos, dietas milagrosas, crescimento de cabelo etc., tentando tudo, mesmo que isto signifique riscos à saúde.

Uma das conseqüências do TDC é o comportamento social evitativo, no qual os pacientes procuram esquivar-se de atividades costumeiras como trabalho, escola e comemorações no intuito de não terem os seus “defeitos” observados pelos outros, já que acreditam serem alvos de constantes comentários preconceituosos em relação a estes. Dificilmente iniciam uma nova relação de amizade ou conseguem manter um relacionamento amoroso.

Desejar uma imagem perfeita não significa sofrer de uma doença mental, mas aumenta as possibilidades deste tipo de transtorno emocional ser desencadeado. A origem do TDC ainda é obscura, mas os dados sugerem ser uma patologia de origem multi-causal, incluindo fatores biológico-genéticos, psicológicos, culturais ou sociais ligados à supervalorização da aparência.

A teoria mais aceita para a causa biológica do TDC é a da alteração dos neurotransmissores cerebrais, mais precisamente a serotonina. Esta alteração é reforçada ao observarmos a alta incidência de comorbidade do TDC com depressão e ansiedade, em um total de 50% dos pacientes. Alguns autores acreditam que o TDC raramente aparece sem alguma comorbidade. Com o Transtorno obsessivocompulsivo, fobia social e anorexia nervosa, a comorbidade também é alta, podendo chegar a 40% dos casos.

A grande maioria dos pacientes com TDC, em torno de 90%, busca tratamento não-psiquiátrico para suas queixas, principalmente em procedimentos estéticos, cirúrgicos ou não.

O tratamento farmacológico mais indicado para o TDC seria o uso de medicações antidepressivas, principalmente dos Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina (ISRSI), devido aos baixos índices de efeitos colaterais entre as medicações desta classe. Podemos nos utilizar também de outros tipos de antidepressivos como os recaptadores duplos ou até os antidepressivos tricíclicos, levando em conta os seus efeitos colaterais indesejados.

Quanto ao tratamento psicoterapêutico, a linha terapêutica que parece ser a mais indicada é a cognitivo-comportamental, promovendo um conhecimento do transtorno e possibilitando ao paciente o controle gradativo de suas obsessões e compulsões e uma maior capacidade de lidar com suas relações interpessoais e reinserção às suas atividades cotidianas.

Napoleon (1993), investigando alterações psiquiátricas em uma população de 133 candidatos à cirurgia plástica, encontrou TDC em cerca de 20% dos mesmos. Devido a elevada incidência de TDC na população, os cirurgiões plásticos devem estar bastante atentos para diagnosticar esta importante patologia antes da realização de procedimentos estéticos, cirúrgicos ou não-cirúrgicos, pois esses procedimentos podem, se realizados, agravar os sintomas do TDC. Desta forma, evita-se um fracasso real dos resultados obtidos ou a impressão distorcida do fracasso destes. O encaminhamento ao psiquiatra e profissionais relacionados proporcionará ao paciente portador de transtorno psiquiátrico o correto tratamento de sua patologia e, conseqüentemente, um bem estar físico e mental.

 



Os transtornos alimentares são síndromes caracterizadas pela preocupação excessiva com o peso e a forma corporal, capazes de levar os indivíduos a seguir dietas extremamente restritivas ou ao uso abusivo de substâncias e outros métodos para atingir seus ideais.

Dos principais transtornos do comportamento alimentar, a anorexia nervosa (AN) foi a primeira a ser descrita e a ter critérios operacionais reconhecidos (século XIX). A bulimia nervosa (BN) foi descrita por Gerald Russel, em 1979, e os transtornos alimentares atípicos no ano de 1980.

A incidência de novos casos de transtorno alimentar tem aumentado a cada ano, estima-se mais de 11 novos casos, por 100.000 pessoas, por ano, de anorexia nervosa e mais de 18 novos casos, por 100.000 pessoas, por ano, de bulimia nervosa. Ainda há, relativamente, pouca informação sobre o Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP) e sobre a categoria de transtornos alimentares sem outra especificação. Aparentemente, a prevalência desses distúrbios é ainda maior que a da anorexia e da bulimia.

Os transtornos alimentares acometem, com maior freqüência, as mulheres. Estima-se que 10% dos casos de transtornos alimentares sejam de homens.

A idade mais comum para o início da anorexia nervosa está entre 16,6 e 18,3 anos e para o início da bulimia nervosa está entre 17,7 e 21 anos. Entretanto, há muitas pessoas que desenvolvem um transtorno alimentar durante, ou mesmo depois, da meia idade.

As causas da anorexia e da bulimia são pouco conhecidas. Devemos incluir causas socioculturais, psicológicas, individuais, familiares, neuroquímicas e genéticas. Distúrbios da interação familiar, eventos estressantes relacionados à sexualidade e formação da identidade pessoal, são apontados como fatores desencadeantes ou mantenedores da anorexia ou bulimia.

Em cerca de um terço dos pacientes com AN ou BN, ocorre abuso ou dependência de substâncias, principalmente álcool e substâncias estimulantes, entre elas, mais comumente, as anfetaminas. O uso de anfetaminas é, normalmente, iniciado na tentativa de inibir o apetite e controlar o peso.

As alterações de neurotransmissores também são apontadas como contribuintes do quadro, principalmente daqueles envolvidos também nos quadros depressivos.

O nível de mortalidade da anorexia nervosa é significativamente maior que o da bulimia nervosa, sendo as maiores causas as complicações da restrição alimentar, que levam à desnutrição, à caquexia e ao suicídio.

Anorexia Nervosa

A anorexia nervosa é um transtorno do comportamento alimentar caracterizado por limitações dietéticas auto-impostas, padrões bizarros de alimentação e acentuada perda de peso induzida e mantida pelo paciente. O termo anorexia nervosa é inadequado do ponto de vista psicopatológico, pois não há uma perda real do apetite, mas uma negação deste apetite, ao menos nos estágios iniciais da doença.

Um dos aspectos mais importantes do quadro é o da perturbação da imagem corporal, o temor intenso de ganhar peso. O paciente afirma estar gordo, mesmo contra as evidências médicas e observações de familiares ou de outras pessoas da sua convivência.

Em relação às mulheres, a amenorréia está invariavelmente presente e pode iniciar antes (cerca de 25% dos casos), concomitantemente ou após o início da perda de peso.

Segundo dados da literatura, os primeiros relatos de anorexia nervosa foram feitos na Idade Média. Segundo Bell (1985), a vida de mais de 250 santas e beatas da Igreja Católica, em suas práticas de ascetismo, foi marcada por um impressionante paralelo entre as práticas de jejum religioso e o atual conceito de anorexia nervosa. Estas mulheres se auto-impunham o jejum como uma forma de se aproximar de Deus; eram as “santas anoréxicas”. O quadro era acompanhado de perfeccionismo, auto-insuficiência, rigidez no comportamento, insatisfação consigo próprias e distorções cognitivas, quadro este muito parecido com o das anoréxicas que vemos atualmente.

No ano de 1694, Richard Morton realizou o primeiro relato médico de anorexia nervosa, descrevendo o caso de uma jovem mulher, com recusa em alimentar-se e ausência de ciclos menstruais, que ao rejeitar qualquer ajuda oferecida, acabou por morrer de inanição. O autor mostrou-se profundamente intrigado pela indiferença que a paciente demonstrou em relação a gravidade do seu estado e degradação de suas capacidades cognitivas básicas. Não é privilégio de nossa época a observação de quadros ligados ao exagero na busca por um estereótipo de magreza e corpo perfeito, porém, atualmente, tem-se observado o crescimento acentuado de casos de transtornos alimentares supondo-se um papel importante da pressão social em “ser magra e bela”.

Embora os critérios diagnósticos da AN não sejam alvos de grandes controvérsias, algumas considerações merecem ser feitas. Há certo consenso de que a perda de peso auto-induzida é necessária para o diagnóstico, porém a linha que separa o “minimamente normal” e “abaixo do peso” não é tão clara. Para padronização, tem-se utilizado o Índice de Massa Corpórea (IMC = peso/altura2), sendo caracterizada a AN por um índice menor do que 17,5 (critério utilizado pelo CID-10) ou percentual de adequação de peso inferior a 85% (critério utilizado pelo DSM-IV).

A maior dificuldade no tratamento de pacientes com anorexia nervosa é a aderência das pacientes, pois a negação é parte integrante do quadro e o médico é visto como alguém interessado em fazê-las ganhar peso, ou pelo menos parar de controlar o ganho de peso.

O tratamento deve consistir em mudanças sutis nos hábitos alimentares; o acompanhamento psicoterápico cognitivo e/ou comportamental visa exatamente estas mudanças, valorizando a cooperação, a adoção de atitudes mais sadias, a diminuição de situações restritivas, recebendo como moeda de troca constantes elogios.

Algumas vezes se faz necessária a hospitalização do paciente, principalmente em função de uma caquexia, para que se possa fazer a correção hidroeletrolítica, dieta hipercalórica, correção de possíveis alterações metabólicas e início do tratamento psiquiátrico.

A farmacoterapia é fundamental no tratamento da AN. O uso de antidepressivos é a melhor indicação, muitas vezes sendo usados os tricíclicos, que têm como efeitos colaterais o aumento do apetite e o ganho de peso, úteis neste caso. Algumas vezes é necessária a sedação, podendo ser feita com benzodiazepínicos ou neurolépticos.

As recaídas são freqüentes e o acompanhamento dos quadros de AN é trabalhoso; muitas vezes, a família não oferece suporte adequado a este paciente e sua patologia, agindo como gatilho disparador das recaídas.

Bulimia Nervosa

Bulemia é uma palavra de origem grega formada a partir da união dos termos boul (boi) e lemos (fome), significando: fome suficiente para devorar um boi.

A Bulimia Nervosa é um transtorno mental que se caracteriza por episódios repetidos de ingestão excessiva de alimentos, num curto período de tempo, seguidos por uma preocupação exagerada sobre o controle do peso corporal, preocupação esta, que leva a pessoa a adotar condutas inadequadas e perigosas para a saúde. No quadro de bulimia, os indivíduos ingerem alimentos não somente para saciar uma fome exagerada, mas em decorrência de uma série de estados emocionais ou situações estressantes.

Os primeiros relatos de bulimia nervosa, como entidade psiquiátrica, surgem nos anos 70, no trabalho de Russel (1979), que descreve pacientes cuja principal característica é ter acessos de incontrolável hiperingestão alimentar. Baseado em suas observações, Russel propôs três critérios básicos para o diagnóstico da bulemia:
- Impulso irresistível de comer excessivamente;
- Indução de vômitos e/ou abuso de purgativos, após a ingestão alimentar copiosa;
- Medo mórbido de engordar.

É essencial, na caracterização da bulimia nervosa, a presença de compulsões periódicas e métodos compensatórios inadequados para evitar o ganho de peso, sendo o vômito auto-induzido o mais facilmente identificável e o mais freqüentemente encontrado, delimitando muitas vezes o final do episódio compulsivo.

Uma compulsão periódica é definida pela ingestão, num período limitado de tempo, de uma quantidade de alimento maior do que a maioria dos pacientes consumiria ingerir sob circunstâncias similares. É, geralmente, desencadeada por estados de humor disfóricos, fatores estressores, fome intensa, após uma dieta rígida, ou sentimentos negativos quanto ao seu corpo e peso. A compulsão periódica pode melhorar temporariamente o humor disfórico, mas, geralmente, leva ao aumento da autocrítica e ao humor depressivo. Embora varie o tipo de alimento consumido durante os ataques de hiperfagia (comer muito), quase sempre incluem doces e alimentos de alto valor calórico.

Os pacientes com BN se envergonham de seus problemas alimentares e procuram ocultar seus sintomas, fazendo com que seus atos pareçam estar dentro de algum contexto que não chame muito a atenção. Muitas vezes, estes atos são planejados com antecedência, e a ingestão de grande quantidade de alimentos ou de um alimento considerado por eles como “engordativo” é feita baseada no fato de que depois vão provocar o vômito para não engordar.

O tratamento da BN segue os mesmos padrões daquele preconizado para a AN, diferindo na abordagem psicoterapêutica em alguns pontos e na farmacologia, com o uso preferencialmente dos ISRS (Inibidores Seletivos da Recaptação da Serotonina), já que a maioria dos pacientes tem o IMC adequado ou até acima do esperado.

Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica ou Transtorno do Comer

Compulsivo Atualmente, encontra-se em estudo uma terceira categoria comum de transtorno alimentar, o Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP), também chamado por alguns autores de Transtorno do Comer Compulsivo (“binge-eating disorder”). A descrição desta síndrome surgiu pela necessidade de se discriminar indivíduos obesos com compulsão daqueles sem compulsão.

No transtorno do comer compulsivo não há a preocupação mórbida e irracional com o peso e a forma do corpo, assim como acontece na AN e na BN. Os pacientes são, em sua maioria, obesos e depressivos.

O transtorno do comer compulsivo acomete três mulheres para cada dois homens e tem uma prevalência de 2% na população geral e de 30% entre as pessoas obesas que procuram tratamento para emagrecer.

O transtorno caracteriza-se por crises, durante as quais as pessoas comem sem conseguir parar, depressa e às escondidas, sem no entanto, apresentam métodos compensatórios como os observados na AN e BN (vômitos induzidos, uso de laxante e outros).

Para o diagnóstico do Transtorno do Comer Compulsivo, sugerem-se os seguintes critérios:
- Episódios repetidos de “binge eating” (ataques de comer, pelo menos 2 vezes na semana)
- Comer muito mais rápido do que o normal,
- Comer até se sentir desconfortavelmente empanturrado,
- Comer grandes quantidades de comida, mesmo sem fome,
- Comer sozinho, com vergonha da quantidade,
- Sentir-se culpado e/ou deprimido depois do episódio.

O tratamento baseia-se na psicoterapia e, em algumas situações a farmacoterapia faz-se necessária.

 

 



O desenvolvimento do tromboembolismo venoso depende da alteração em um ou mais fatores da tríade descrita por Virchow, em 1856, que considera as alterações do fluxo sanguíneo, da crase sanguínea e da parede vascular, como responsáveis pelo processo trombótico.

A trombose venosa profunda (TVP) é uma doença que afeta, anualmente, uma a duas pessoas em cada 1.000 habitantes. A TVP é a terceira doença cardiovascular mais freqüente nos EUA. Anderson et al. estimaram em torno de 170.000 casos novos de TVP ou embolia pulmonar (EP), por ano, e 9.000 recidivas no mesmo período, resultando em pelo menos 13.000 mortes a cada ano. Em nosso meio, o estudo de Maffei nos mostra uma estimativa de 0,6 casos por 1.000 habitantes/ano, a partir dos casos de TVP confirmados por flebografia ou mapeamento dúplex. Sua incidência mostra-se ligeiramente maior nas mulheres em relação aos homens, aumentando dramaticamente com a idade, de 20 a 30 casos por 100.000 pessoas/ano na faixa etária de 30 a 49 anos, para 200 casos por 100.000 pessoas/ano na faixa etária de 70 a 79 anos. Poucos são os estudos sobre os índices de TVP na cirurgia plástica. Reinisch, em 1998, relatou 0,39% de TVP e 0.16% de embolia pulmonar venosa após cirurgia estética da face. Alguns relatos de casos de embolia por trombose venosa e gordurosa foram descritos, relacionados com a dermolipectomia abdominal isolada ou associada à lipoaspiração.

Doença de ocorrência multidisciplinar, a TVP está presente, como complicação da internação hospitalar em praticamente todas as especialidades clínicas ou cirúrgicas e os cuidados inerentes à sua profilaxia, diagnóstico precoce e tratamento correto e imediato devem estar sempre vívidos no pensamento diário de todo médico, qualquer que seja sua área de atuação.

A TVP tem como conseqüência imediata mais grave a embolia pulmonar, que costuma ser fatal em 0,2% dos pacientes internados. Em sua fase crônica, pode ser responsável por inúmeros casos de incapacitação física e enormes custos socioeconômicos, com o desenvolvimento de insuficiência venosa crônica grave, configurando a denominada síndrome pós-trombótica.

A maioria dos casos de TVP parece estar associada a situações clínicas de risco bem definidas, denominadas fatores de risco. O rastreamento dessa afecção através de testes de imagem em pacientes assintomáticos não parece ser uma abordagem custo-efetiva; além disso, seu tratamento é caro, sujeito à complicações, não sendo completamente efetivo no que diz respeito às complicações tardias. Portanto, sua profilaxia efetiva é a melhor estratégia. Durante as 2 últimas décadas, a profilaxia da TVP foi aceita como uma estratégia bem estabelecida e eficaz. Estudos de grupos estadunidenses e europeus definiram recomendações detalhadas, que devem ser empregadas em todas as classes de pacientes hospitalizados.

As complicações ocasionadas pela trombose venosa profunda (TVP) e embolia pulmonar em cirurgia plástica têm recebido uma atenção significativa nestes últimos anos.

Os fatores de risco de formação da TVP são comuns para qualquer paciente, incluindo os pacientes a serem submetidos a cirurgias plásticas eletivas. Dentre as cirurgias plásticas existem aquelas que aumentam o risco da TVP, seja pelo tipo de decúbito e prazo de permanência do paciente durante o ato cirúrgico, tempo de cirurgia, conseqüência fisiopatológica do trauma cirúrgico ou limitações no pós-operatório. Outras situações de risco são muito freqüentes em nossa especialidade como, por exemplo, o fato de que a maioria das cirurgias estéticas é realizada em mulheres em faixas etárias nas quais é mais evidente o uso de anticoncepcionais ou reposição hormonal, situações que reconhecidamente aumentam o risco de TVP.

Anger e cols, em 2003, elaboraram uma tabela de fatores de risco (tabela 1 e 2), específica para a cirurgia plástica, baseada no sistema de avaliação proposto por Weinman, em 1994, que atribuí um número de pontos para cada fator de risco. A classificação e quantificação do grau de risco facilitam a elaboração de uma profilaxia mais acertada. De acordo com o escore obtido, o risco do paciente é classificado em baixo, moderado ou alto, e a profilaxia é indicada.

As medidas não farmacológicas não apresentam efeitos colaterais de importância clínica, entretanto, aumentam o custo do procedimento. Tais medidas têm por finalidade ativar o retorno sangüíneo dos membros inferiores. Sabe-se que a mais de 95% dos trombos são formados nas pernas em conseqüência da falta de movimentação dos músculos da panturrilha, importante para o retorno de sangue. Em cirurgias mais longas com completa inatividade dos membros inferiores, a probabilidade de estase e trombose aumenta gradativamente com o tempo. Uma vez ocorrida a TVP, a possibilidade de liberação de parte proximal de um trombo e sua embolização, principalmente pulmonar, é grande, muitas vezes ocorrendo horas após o fim da cirurgia, quando o membro inferior finalmente é mobilizado. Em procedimentos prolongados a manipulação dos membros inferiores e a deambulação precoce são muito importantes. Quando o grau de risco é maior faz-se importante o uso de compressão pneumática intermitente, desde o início da anestesia até o início da deambulação, seguindo o aparelho com o paciente para o leito de internação. O uso de meias elásticas com pressão graduada é recomendado nos pacientes com história prévia de insuficiência venosa ou de fenômenos tromboembólicos. O seu uso deve ser prolongado por alguns dias, principalmente quando a cirurgia envolve membros inferiores, como no caso das lipoaspirações e implantes de próteses de glúteo ou panturrilha.

As medidas farmacológicas incluem as medicações mais freqüentemente indicadas na profilaxia da TVP. Entretanto, seu uso é controverso pelo risco de sangramento durante e após o ato operatório. Tornase importante utilizar todos os meios não farmacológicos de prevenção que forem acessíveis, em especial nos casos de risco moderado, na tentativa de evitar o uso de anticoagulantes. A decisão do uso de anticoagulantes deve considerar também o tipo de anestesia a ser empregada. A punção raquidiana é evitada quando do emprego profilático de anticoagulantes. Outros consideram a anestesia geral, em cirurgias prolongadas com os membros inferiores inativos, como um fator de risco, mas que poderia ser evitado tomando os cuidados de rotina.





Alguns estudos atuais têm verificado que muitos indivíduos portadores de altas taxas de fatores de risco não apresentam, obrigatoriamente, doença tromboembólica, apesar de sujeitos a condições reconhecidamente trombogênicas; ou seja, nem todas as pessoas portadoras de fatores de risco apresentavam trombose ao sofrer estresse trombogênico adicional (trauma, cirurgia, parto, etc.). De forma inversa, constatou-se que um terço dos pacientes com quadro clínico de trombose venosa não apresentam nenhum dos fatores de risco. Considerando-se essas observações, fica patente que há uma “trombofilia espontânea”, idiopática, capaz de gerar a trombose sem necessitar de grande auxílio de um estímulo patogênico extrínseco, ou mesmo, sem necessitar de qualquer processo precipitador. Esta “amizade ao trombo” (trombo+filia) seria derivada de condições peculiares do sistema de coagulação do sangue do indivíduo, talvez uma latente hipercoagulabilidade individual, possivelmente, congênita-familial.

O conhecimento dos fatores de hipercoagulabilidade está permitindo a feitura de melhor prognóstico da doença tromboembólica venosa e arterial e a compreensão do fenômeno da trombose dita idiopática, da origem da trombose venosa “espontânea”. É indiscutível que o progresso advindo da identificação dos fatores trombofílicos sangüíneos congênitos constitui um grande passo no estudo do fenômeno tromboembólico. Entretanto, é necessário utilizar com eqüidade as novas conquistas, sem ignorar a importância dos fatores de risco extrínsecos, capazes de gerar a doença tromboembólica independente de condições sangüíneas anômalas genéticas previas ou, pelo menos, até agora conhecidas.